agosto 21, 2025

Trump, Maduro e o Caribe em chamas: a Venezuela está na mira dos EUA?

 


Comecemos pelo que mudou em 2025: com Donald Trump de volta à Casa Branca, a política dos EUA para a Venezuela deu um cavalo de pau retórico e operacional. Em agosto de 2025, o governo anunciou o envio de destróieres da Marinha — navios de guerra grandalhões, multimissão, que normalmente não são a primeira escolha para perseguir lanchas rápidas de traficantes — para operar no entorno do Caribe e, em especial, próximo à costa venezuelana. Segundo reportagens, três destróieres de mísseis guiados (USS Jason Dunham, USS Sampson e USS Gravely) foram destacados com a missão declarada de “combater cartéis de drogas”, no rastro de uma decisão do governo de classificar cartéis latino-americanos como organizações terroristas estrangeiras. Em linguagem simples: os EUA deram à Marinha um papel mais direto numa tarefa que, historicamente, era capitaneada pela Guarda Costeira, o que sinaliza “musculatura” e recado político a Caracas. 

Isso não surgiu num vácuo. Já em 2020, o Departamento de Justiça dos EUA indiciou Nicolás Maduro e outros altos funcionários por conspiração para “narcoterrorismo” e tráfico de cocaína, oferecendo recompensa milionária por informações que levassem à sua prisão. Em agosto de 2025, a recompensa anunciada para Maduro foi dobrada para US$ 50 milhões, gesto que elevou a temperatura do discurso bilateral e reforçou a narrativa de Washington de que o “Cartel de los Soles” — uma expressão usada por promotores americanos para se referir a uma suposta rede de militares e políticos venezuelanos envolvidos em tráfico — seria “protegido” pelo Estado. Caracas diz que isso é ficção de propaganda. Em termos jurídicos, porém, o fato duro é: há um processo federal aberto nos EUA contra o presidente venezuelano e uma recompensa vultosa em vigor. 

Naturalmente, a resposta do governo Maduro também veio no megafone. O discurso oficial se agarrou a duas linhas: 1) “isso é imperialismo disfarçado de guerra às drogas” e 2) “vamos defender a pátria e, se preciso, mobilizar milhões” — a referência aqui é à Milícia Nacional, uma força de reserva e apoio entre civil e militar, que o governo frequentemente menciona em números de milhões para sinalizar base popular e capacidade de resistência. Na semana em que o envio dos navios virou manchete, a retórica escalou de lado a lado: Washington falou em “narco-terrorismo”; Caracas falou em “ameaça de intervenção”; observadores externos disseram “calma lá, isso parece mais uma operação de pressão do que um prelúdio de desembarque anfíbio”. Mesmo assim, o simples fato de os EUA colocarem destróieres na área, com o holofote midiático ligado, já reposiciona o xadrez. 

Mas por que agora? Há dois fios que se cruzam. O primeiro é interno à Venezuela: depois das eleições presidenciais de 28 de julho de 2024 — polêmicas, contestadas pela oposição, celebradas pelo CNE a favor de Maduro e questionadas por parte da comunidade internacional —, o país passou 2024–2025 num limbo político e econômico: um pouco de alívio com licenças para negócios de petróleo aqui e ali, e muita incerteza com “puxa-encolhe” de sanções. Esse vai e vem incluiu permissões e depois restrições à Chevron trabalhar no país, o que afetou diretamente a quantidade de petróleo venezuelano chegando a refinarias dos EUA. Em agosto de 2025, as importações dos EUA voltaram a ocorrer sob uma licença restrita, depois de um hiato de alguns meses. Em linguagem de bar: os EUA estão apertando politicamente com uma mão e, com a outra, permitindo que algum petróleo flua — porque a realidade no posto pesa.

O segundo fio é regional. A crise com a Guiana por causa do Essequibo — um contencioso centenário que ganhou nitro com a descoberta de petróleo em águas guianenses — botou militares, diplomatas e petroleiras para olhar o mapa com lupa. Em 2023–2024, a tensão subiu, o Reino Unido mandou navio, os EUA fizeram exercícios e sobrevoos com a Guiana, e, já em 2025, Washington manteve o recado de “não mexa com nosso parceiro”, agora com a chancela de um secretário de Estado linha-dura. Isso coloca a bacia do Caribe num tabuleiro de dissuasão: a presença naval americana serve também para dizer que uma aventura transfronteiriça de Caracas teria custo alto. 

“Tá, mas esses navios na costa venezuelana significam invasão?” Respiremos. Um desembarque anfíbio à moda antiga — marines chegando em praias, tanques descendo de navios, bandeira fincada — tem uma lista de pré-requisitos logísticos, diplomáticos e legais que simplesmente não estão na mesa hoje. Os destróieres Arleigh Burke são plataformas de alto valor, com mísseis para defesa aérea e ataque de precisão, e radares parrudos; não são botes de abordagem que caçam lanchas de narco. Quando aparecem no Caribe com a missão de “interdição”, a leitura mais conservadora é “pressão + coleta de inteligência + operações limitadas de interdição e abordagens marítimas”, às vezes com helicópteros e equipes de visita e inspeção. Em outras palavras, o recado é: “estamos vendo tudo e, se for preciso, paramos embarcações e prendemos gente”. Isso difere muito de um plano de invasão de território soberano, que demandaria outro tipo de agrupamento naval (navios anfíbios, porta-helicópteros, navios de comando, reabastecedores, escoltas adicionais) e uma coalizão diplomática robusta na região — algo que não se materializou. 

Então, por que chamar de “guerra aos narcos”? Porque essa é uma moldura jurídica-política que abre certas portas. Se cartéis são classificados como terroristas, você pode acionar ferramentas legais de contraterrorismo para perseguir redes financeiras, ampliar cooperação de inteligência, travar navios em águas internacionais com base em tratados de interdição e, claro, falar grosso para consumo doméstico. É também uma forma de manter Caracas sob holofote: se “o Estado protege o cartel”, você amplia o leque de sanções e justificativas para cercar economicamente aliados e intermediários. A crítica a esse frame é que “narcoterrorismo” vira guarda-chuva grande demais, com risco de contaminação política de uma agenda antidrogas que precisava ser técnica. O fato é: a peça penal que envolve Maduro e aliados existe desde 2020, está viva e foi politicamente reativada com a elevação da recompensa em 2025. 

E a economia? Aqui entra a parte menos cinematográfica e mais “planilha”: a Venezuela precisa de divisas, e petróleo é a torneira principal. O país vinha, segundo estimativas da OPEP, na casa de 0,9 milhão de barris/dia em meados de 2025, números ainda bem menores que a era pré-crise, mas não desprezíveis. A sanção “smart” (direcionada) mistura pausas e permissões, com licenças específicas (como a 41B da OFAC) que abrem e fecham janelas. Em agosto de 2025, cargas voltaram a entrar nos EUA sob licença restrita para a Chevron, depois de um hiato causado por regras de pagamento e conformidade. Em português claro: mais ou menos sanção, mais ou menos petróleo; isso não resolve a crise venezuelana, mas alivia pressões domésticas nos EUA e dá um pouquinho de ar a Caracas — sem, porém, destravar investimentos grandes que exigem previsibilidade. 

“Trump ameaça invadir?” O presidente americano usa linguagem contundente — e parte do estilo é manter adversários na dúvida. Porém, invadir um país de 28 milhões de habitantes, com forças armadas leais ao governo e redes de milícias urbanas, implicaria custos humanos, políticos e financeiros enormes, além de um debate jurídico internacional espinhoso. A América Latina, com raríssimas exceções, não apoiaria; aliados europeus pensariam duas vezes; e a opinião pública americana não mostra hoje apetite por uma nova aventura militar aberta no hemisfério. O que faz mais sentido tático, e está de fato ocorrendo, é o emprego de presença naval ostensiva, reforço de interdição marítima e aérea, ações judiciais transnacionais (recompensas, prisões de operadores financeiros, extradições de quadros chave quando estão fora da Venezuela) e diplomacia de pressão. Isso é coerção, não invasão. O risco de “incidente” — uma lancha armada atirar num helicóptero de um destróier, por exemplo — existe em qualquer operação dessa natureza, mas a escalada para algo tipo “Tempestade no Caribe” exigiria gatilhos muito maiores. 

“E o que Maduro faz?” Além de inflar números de mobilização e usar o discurso anti-imperialista clássico, o governo ganha tempo apostando em fragmentação da oposição e na rotina: “todo dia é dia útil”. Na prática, aposta em: 1) manter exportações de petróleo dentro do que as licenças permitem; 2) procurar novos parceiros e intermediários para driblar sanções; 3) negociar alívios táticos com Washington quando for conveniente; 4) apresentar-se regionalmente como vítima de bullying imperial e, com isso, arranhar o consenso hemisférico contra si; 5) usar o Essequibo como nacionalismo de reserva — sem cruzar a linha vermelha de conflito aberto com a Guiana, porque aí a conta fica impagável. É um malabarismo, mas é o que Caracas faz há anos. 

“Quais são, então, os futuros possíveis da Venezuela?” Em vez de prever o amanhã com bola de cristal, vamos mapear cenários. Pense neles como “rotas” num Waze geopolítico — algumas mais rápidas, outras cheias de buracos, todas com muitos “se”.

Cenário 1 — “Pressão longa, acomodação curta”: a presença naval e a retórica dura continuam por meses, com apreensões episódicas no mar e prisões aqui e ali de operadores ligados ao tráfico. A recompensa de US$ 50 milhões permanece como cartaz de “procurado”. Nada disso derruba o governo, mas aumenta o custo de operar. Em resposta, Caracas negocia pequenos passos com Washington (por exemplo, janelas de licenças para petróleo) e concede algo mínimo no campo político (liberação de alguns presos, ajustes eleitorais municipais). Resultado: o país segue em baixa intensidade de crise, com PIB rastejante, inflação sob “controle precário”, migração continuada e cansaço social. É o “morno que queima”. 

Cenário 2 — “Acidente de percurso”: um encontro no mar dá errado; tiros são disparados; alguém morre. A Casa Branca sente-se pressionada a “responder”; Caracas acusa “agressão”. Ainda assim, a escalada tende a ser controlada: retaliações pontuais (por exemplo, sanções financeiras mais duras, designações adicionais, sobrevoos pesados), movimentação de mais meios navais para mostrar dentes — e telefonemas frenéticos de Brasília, Bogotá e Cidade do México para esfriar ânimos. Ninguém ganha com guerra aberta; todo mundo perde. Logo, o mais provável seria um pico de tensão seguido de “volta às linhas”.

Cenário 3 — “Surpresa do petróleo”: por necessidade econômica interna nos EUA (preço na bomba) e por pressão de refinarias, Washington amplia ou flexibiliza licenças para importação de alguns blends venezuelanos via Chevron e parceiros, mantendo o discurso duro em paralelo. É a versão geopolítica de “uma mão bate, a outra afaga”. A produção venezuelana sobe um pouco, mas não explode: faltam investimento, tecnologia e confiança jurídica. Ainda assim, entra dólar, o câmbio respira e o cotidiano melhora de leve em Caracas e Maracaibo. Politicamente, Maduro ganha fôlego; a oposição luta para manter unidade. 

Cenário 4 — “Guiana como faísca, não como incêndio”: a crise do Essequibo continua sendo usada na retórica, mas não vira guerra. Por quê? Porque a Guiana tem apadrinhamento diplomático e militar crescente (EUA e Reino Unido, entre outros), e porque o custo de “ir pra cima” seria devastador para Caracas. O governo venezuelano colhe o bônus interno do nacionalismo sem pagar o ônus externo da sanção total. A fronteira segue “quente na boca, fria no terreno”. 

Cenário 5 — “Solução negociada por fora do palco”: pressões judiciais (indiciamentos, extradições de figuras-chave, prisões em terceiros países) e a vigilância naval minam redes de logística e financiamento. Ao mesmo tempo, garantias discretas são conversadas (segurança pessoal, saída negociada, eleições com auditoria internacional de verdade). Não é impossível — a América Latina tem memória de transições “feitas no carpete”. Mas exige sincronização fina entre Washington, Brasília, Bogotá, a União Europeia e atores internos venezuelanos. É difícil, porém não ficção científica.

Cenário 6 — “Tempestade perfeita (pouco provável, mas…)”: choque no mercado de petróleo, crise migratória ainda maior saindo da Venezuela, um incidente feio no mar e, de repente, a Casa Branca decide “dar exemplo” com uma operação cinética limitada (por exemplo, contra pistas aéreas ou depósitos associados a redes de tráfico). Mesmo assim, salto de “ataques limitados” para “invasão” teria que superar barreiras gigantes: legalidade internacional, votos no Congresso, apoio regional, opinião pública. Hoje, isso tudo está na coluna do “não”. 

“E a oposição?” O campo opositor vive tentando resolver o dilema da unidade, com lideranças no exílio apoiando medidas duras dos EUA e lideranças internas pedindo cautela para não transformar a política numa guerra por procuração. Depois de 2024, o debate sobre a lisura eleitoral segue aberto — com organizações internacionais e think tanks apontando inconsistências —, o que complica a construção de uma “rota institucional” limpa. Enquanto isso, o tempo trabalha a favor de quem está no poder: o Estado distribui custos e benefícios em pequenos pacotes (salários, bônus, remessas, subsídios pontuais), o que mantém redes de lealdade.

“Quem mais está no tabuleiro?” Além dos EUA, obviamente. A Rússia continua sendo parceira militar e política de Caracas, embora com foco drenado pela guerra na Ucrânia. A China joga o jogo mais econômico e prudente: interessa-se por petróleo e por contratos, mas não por confusão. O Irã oferece cooperação técnica e simbólica. Cuba segue na retaguarda política e de inteligência. Do outro lado, Colômbia e Brasil tentam o papel de “bombeiros adultos”, preferindo diálogo e processo eleitoral verificável a “soluções de força”. E a Guiana, com petróleo novo e guarda-costas poderosos, entrou de vez no mapa mental de Caracas. Esse conjunto reduz a probabilidade de guerra aberta, mas aumenta a de “pressão + incidentes + negociação sem glamour”.

“Tá, e como isso bate no dia a dia do venezuelano?” Em três letras: $ (dólar), filas e fronteira. Dólar, porque o câmbio e a inflação são hiper-sensíveis a qualquer notícia de sanção ou licença. Filas, porque combustíveis e serviços ainda sofrem com gargalos crônicos. Fronteira, porque muita gente continua saindo — para Colômbia, Brasil e além —, e cada empurrão geopolítico vira empurrão migratório. Se as licenças de petróleo respirarem, a vida melhora um pouco; se fecharem, piora. Enquanto isso, remessas de quem foi embora seguem sendo a “política social” mais eficiente do país.

“E os navios, vão ficar por quanto tempo?” Presença naval é ferramenta estratégica e midiática. Ela fica o suficiente para: 1) coletar inteligência; 2) interditar algumas cargas; 3) sinalizar a parceiros e adversários que os EUA “estão no jogo”. Às vezes, essa presença é rotativa, com navios sendo substituídos e exercícios combinados com países da região. Não confunda isso com preparação para D-Day: são linguagens diferentes. O fato de a Marinha dos EUA, em 2025, estar até testando capacidades antidrone em destróieres mostra como o ambiente marítimo está mudando — inclusive no Caribe —, mas não muda o essencial: sinalização e pressão, não invasão. 

“Resumo honesto, sem suspense: os EUA vão invadir a Venezuela?” A resposta mais responsável hoje é: extremamente improvável. O que está no script é uma campanha de coerção — judicial, naval, diplomática e econômica — para isolar redes de tráfico vinculadas (segundo Washington) ao alto escalão venezuelano, manter Caracas sob pressão e, quem sabe, arrancar concessões políticas. Os destróieres cumprem papel de holofote e porrete simbólico; a recompensa de US$ 50 milhões é o cartaz na parede do saloon; as licenças de petróleo são a cenoura. No fim, o país vizinho que mais importa para o desfecho não é os EUA: é a própria Venezuela. Se houver recomposição institucional real, verificação eleitoral crível e alívio econômico gradual, a espiral de crise perde força. Se tudo ficar no “mais do mesmo”, o Caribe seguirá cheio de navios e o povo, de dúvidas.

Para fechar com algo prático para você guardar: quando ler manchetes sobre “navios americanos na costa”, pense em três perguntas. 1) Qual é a missão declarada? (Interdição de drogas ≠ invasão.) 2) Há mudanças legais que ampliem a caixa de ferramentas? (Designar cartéis como terroristas e aumentar recompensas muda o jogo jurídico.) 3) Existem sinais logísticos de escalada? (Chegada de navios anfíbios, criação de base temporária, mobilização de marines, alianças regionais claras.) Se a resposta à #3 for “não”, a probabilidade é de teatro de pressão, não de guerra aberta. Enquanto isso, acompanhe o sobe-desce de licenças de petróleo e a novela do Essequibo: são os dois termômetros mais úteis para entender se a brasa está acendendo ou apagando. 

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