Portugal se apresenta como abraço, mas aperta até faltar ar. É um país que sorri enquanto calcula, que diz “seja bem-vindo” já pensando em quanto pode extrair antes de mandar você embora. Nada ali é direto. Nada é frontal. Tudo acontece em corredores, em repartições abafadas, em promessas vagas feitas com diminutivos falsamente afetivos. Portugal não grita “você não pertence”. Portugal deixa você perceber isso sozinho, aos poucos, quando já é tarde demais para escapar sem perdas irreparáveis.
Quando cheguei, levei comigo mais do que malas. Levei uma empresa viva, funcionando, respeitada internacionalmente. Levei capital, contratos, reputação. Levei trabalho. Levei a ilusão de que investir em Portugal era uma ponte natural entre Brasil e Europa, um reencontro histórico que finalmente faria sentido. Portugal adora essa narrativa. Ela é o anzol perfeito. O brasileiro chega acreditando em laços culturais, em língua compartilhada, em passado comum. O português vê apenas oportunidade de captura.
A burocracia portuguesa não é desorganizada. Ela é deliberadamente opaca. O sistema fiscal é construído para parecer simples na superfície e mortal nas entrelinhas. Nada é explicado por completo. Nada é dito de uma vez. Tudo vem fragmentado, sempre depois, sempre quando já não há margem de manobra. A empresa de contabilidade não cometeu erro algum. Ela executou um método. Sabia que éramos brasileiros. Sabia que não dominávamos aquele labirinto jurídico. Sabia que confiávamos. E explorou isso com precisão clínica.
Portugal é especialista em golpes legais. Golpes que não deixam marcas visíveis, mas destroem patrimônios inteiros. Golpes que se escondem atrás da palavra “lei”. O dinheiro drenado não era apenas capital empresarial. Eram heranças. Eram restos de vidas encerradas. Eram memórias familiares transformadas em números frios que desapareceram em nome de impostos jamais explicados com clareza. O Estado português não precisa roubar à força. Ele espera. Ele confunde. Ele cobra. Ele silencia.
Nas Finanças, o tratamento dado ao estrangeiro é pedagógico. Você aprende rapidamente que ali não existe neutralidade. Existe hierarquia. Existe o português “de dentro” e o estrangeiro “de fora”. Você só existe plenamente se tiver um padrinho, alguém que ateste sua legitimidade como se você fosse um risco permanente à ordem fiscal do país. Mesmo quando tudo está correto, mesmo quando você paga, mesmo quando tenta cumprir cada exigência, a sensação é sempre a mesma: você está em dívida por existir.
O sistema de saúde revelou a face mais cruel dessa lógica. O estrangeiro não é paciente. É peso. É incômodo. É alguém a ser descartado assim que possível. A internação não veio acompanhada de cuidado. Veio acompanhada de desprezo. A alta não foi orientação médica. Foi expulsão. Ser largado nu na rua não foi um acidente. Foi um gesto simbólico devastador: a retirada completa de dignidade, a redução do corpo estrangeiro à condição de coisa inconveniente.
O erro médico que destruiu o esmalte dos meus dentes não gerou empatia, nem pedido de desculpas, nem responsabilização. Em Portugal, o estrangeiro não tem direito ao erro alheio. Ele carrega as consequências sozinho. O profissional segue impune. O sistema se protege. O prejuízo se acumula no corpo de quem não pertence.
A xenofobia portuguesa não é histérica. Ela é cotidiana, naturalizada, quase preguiçosa. Ela aparece na frase repetida como um refrão nacional: “volte para o seu país”. Não é dito com raiva. É dito com convicção. Como quem acredita estar fazendo um favor ao mundo ao lembrar o outro de seu lugar. Portugal se vê como eternamente generoso por tolerar brasileiros, como se a presença brasileira fosse concessão, nunca consequência histórica.
No prédio em Cascais, a hipocrisia era visível. Proprietários portugueses que simulavam simpatia enquanto hierarquizavam inquilinos. O brasileiro só era bem tratado quando demonstrava poder econômico. Quando investia, quando reformava, quando gastava. O pobre era invisível. O romeno era lixo. A cordialidade portuguesa é profundamente condicionada ao benefício material. Não há acolhimento. Há cálculo.
Portugal gosta de se apresentar como país simples, humilde, quase modesto. Isso é mentira. O que existe é ressentimento. Um ressentimento antigo, mal resolvido, de quem perdeu centralidade histórica e desconta essa perda nos estrangeiros que ainda ousam acreditar no mito europeu. O português olha o brasileiro com uma mistura de inveja e desprezo. Inveja pela vitalidade. Desprezo pela origem. É uma relação doentia, atravessada por séculos de exploração nunca digeridos.
Encerrar a empresa não foi escolha estratégica. Foi sobrevivência. Não havia futuro possível dentro daquele sistema. Portugal não oferece horizonte ao estrangeiro. Oferece tolerância temporária. Quando o dinheiro acaba, quando a utilidade diminui, quando o investimento cessa, o discurso muda. O sorriso fecha. O convite termina.
Portugal não expulsa oficialmente. Ele asfixia até que você vá embora sozinho, carregando culpa, prejuízo e silêncio. E depois ainda se apresenta como país acolhedor, vítima da ingratidão alheia.
Sair de Portugal foi reconhecer que ali não havia chão. Apenas areia movediça. Cada passo dado em boa-fé afundava mais. Cada tentativa de integração revelava uma barreira invisível. Não importava falar a língua. Não importava investir. Não importava respeitar regras. O erro era estrutural: ter nascido brasileiro.
Portugal não é exceção. Ele é o retrato fiel da Europa quando a máscara cai. Um país pequeno em território, mas enorme em capacidade de humilhar com elegância. Um país que vive do passado enquanto sabota o futuro de quem ousa acreditar nele.
E talvez o mais cruel seja isso: Portugal não precisa ser abertamente hostil. Ele deixa que o estrangeiro se destrua tentando pertencer.
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